Nos últimos dias, os olhos do mundo se voltaram para o Vaticano. Com a morte do Papa Francisco, não apenas o luto tomou conta das manchetes, mas também uma avalanche de atenção midiática cercou os rituais, símbolos e tradições do catolicismo romano. De repente, termos como sede vacante, conclave e fumata branca se tornaram parte do vocabulário cotidiano. As redes sociais, os jornais, os canais de notícias — todos pareciam falar uma nova linguagem, codificada por séculos de tradição, mas agora traduzida em tempo real pela cultura pop.
Nunca a frase “O papa é pop” fez tanto sentido quanto agora. E, mais do que isso, nunca foi tão evidente como a cultura contemporânea é capaz de absorver até mesmo as estruturas mais rígidas da tradição religiosa.
Não se pode negar — e talvez aqui caiba uma confissão: foi tudo muito bonito. Das cores das roupas da Guarda Suíça aos passos solenes dos cardeais, tudo absolutamente coreografado e esteticamente impecável. Há ali uma sensação legítima de transcendência, de sagrado. Há beleza, sim, e ela toca. Mas uma dúvida inevitável paira no ar: seria essa a nova expressão de espiritualidade transmitida ao novo mundo pela velha igreja?
Afinal, esse novo mundo já anda um tanto exausto — cansado de uma espiritualidade plastificada, de transcendências rápidas e superficiais que duram o tempo de preparo de um macarrão instantâneo. Numa era saturada de virtualidade e de experiências religiosas que mais parecem produtos de consumo, talvez haja um certo apelo na solenidade que atravessa os séculos. Talvez seja justamente esse contraste — entre o efêmero e o eterno, o improvisado e o cerimonial — que capturou a atenção do mundo.
Mesmo assim, essa movimentação midiática revela algo profundo: a cultura do nosso tempo não apenas influencia o modo como consumimos notícias, mas molda o próprio significado das instituições. Não é que a Igreja precise se modernizar para dialogar com a cultura — é a cultura que, voraz e implacável, se encarrega de ressignificar a Igreja.
E, se a tradição católica ao menos oferece uma estética de reverência, a igreja evangélica moderna, essa nem se fala — a cultura já a devorou há muito tempo. Com uma diferença gritante: no que diz respeito ao belo, ela está muito longe. Sem o lastro do símbolo, do silêncio e da liturgia, grande parte da expressão evangélica atual parece ter trocado o sagrado pelo sensacional. A transcendência deu lugar à performance, e o templo virou estúdio.
É claro que há beleza na tradição. Ritos e símbolos carregam memória e identidade. Mas o que acontece quando a tradição se torna apenas estética para uma audiência que já não compartilha sua fé? O que resta quando os rituais se tornam performance, e a reverência cede espaço ao consumo de conteúdo?
A cultura não precisa derrubar a religião — ela simplesmente a digere.
E assim, mesmo os símbolos mais sagrados podem ser moldados, reinterpretados e até esvaziados. A liturgia vira linguagem visual. A fumaça branca vira breaking news. A morte do papa vira show.
O Papa é pop. E a cultura, mais uma vez, impera.
Mas talvez o ponto mais profundo seja esse: religião também é cultura. E cultura, muitas vezes, é religião. Ambas compartilham ritos, mitos, doutrinas, devoções e identidades. O desafio não é separar uma da outra, mas discernir onde termina o sagrado e onde começa o espetáculo. Porque no fim das contas, o altar e o palco às vezes se parecem demais.
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